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ESG: a globalização, o capitalismo regenerativo e a regulação dos mercados

Tudo mudou, novas vertentes se apresentam nas organizações com o ESG (Environmental, Social and Governance) e tem movimentado o ambiente dos negócios em nível global.  Isso tem uma relação com o conceito da modernidade líquida de Zygmunt Bauman, em que a sociedade seria marcada pela “liquidez, volatilidade e fluidez”. Ele evidencia a ocorrência de sucessivas mutações, em um mundo que nada é mais tão estático, mas, maleável, e, tudo é muito rápido.

Esta metamorfose contínua impacta diretamente o modelo de gestão, cabendo aos líderes esse olhar e adaptação, exigindo mudanças céleres. Este pressuposto faz sentido para a gestão das organizações na visão ESG, na premente quebra de paradigma aos conceitos que existiam antes. A resiliência é premissa para quem desejar permanecer no mercado, ao lado da responsabilidade, integridade e transparência, para o alcance futuro da regeneração, um panorama trazido por John Elkington.

Salienta-se que o tema permeia outros aspectos que se inter-relacionam. Laurence C. Smith, geocientista americano e especialista em impactos geofísicos da mudança climática, apontou em seu livro “O Mundo em 2050” a existência de quatro forças globais: a demografia,  a demanda de recursos naturais, a globalização e as mudanças climáticas. Essas forças tem uma interligação com o poder de moldar o futuro do planeta.

Sob este prisma, também se encontram os gases do efeito estufa, cuja existência foi constatada em 1820, pelo matemático francês Joseph Fourier. Com o passar dos anos, o aumento dos gases foi responsável pelo aquecimento global advindo da exploração de recursos naturais, e logo afetou a economia. Hoje, o tema é retomado com força, trazendo responsabilidades para todos: sociedade, governos e organizações.

Afinal, o pós-pandemia terá uma sociedade muito mais voltada para valores e princípios alinhados a uma concepção de sustentabilidade planetária, para as presentes e futuras gerações. Isto se reflete nas organizações e no posicionamento dos investidores, modificando a forma de realizar os negócios.

Diante disso, com a aceleração da democratização do acesso digital, tem-se o progresso mais contundente da tecnologia, considerada a quinta força global no entendimento do Smith, detendo o papel de ser a aceleradora da melhor forma de atuação e condução das quatro forças acima descritas.

Neste contexto, depara-se com a indispensável função da inovação para agilidade em novas formas de negócio, processos, produtos e/ou serviços. A inovação “é a força mais importante para a transformação do mercado e da sociedade” de acordo com os ensinamentos, do seu pai intelectual, o economista austríaco Joseph Schumpeter. Logo, não seria isso o que o ESG propõe? A transmutação do mercado e da sociedade em prol das questões ambientais, sociais e de governança materializadas na nova realidade.

Assim, se fortalece outro conceito significativo, o da cidadania corporativa das companhias perante toda a sociedade,  ratificando a visão do capitalismo de stakeholder e regenerativo, sendo este último expressado por John Elkington, conhecido como o pai da sustentabilidade.

Com base nisso, o ESG é crucial por difundir um conjunto de diretrizes e indicadores para avaliação do seu impacto por parte organizações, nos negócios, no meio ambiente e na sociedade, alinhado à transparência e à integridade.

Seguindo esta linha, pelo fato do ESG trazer questões tão relevantes, ele já se encontra na pauta dos órgãos reguladores dos países e dos blocos econômicos. O movimento atual é de não ter o ESG somente na conjuntura das boas práticas, mas que venha a se tornar algo legal, na linha de um futuro marco regulatório.

No que tange às mobilizações para o cumprimento dessas ações se destacam diretivas criadas na Europa, Estados Unidos, Ásia, Brasil, entre outras.

No Brasil, o Banco Central, com bases nas diretrizes da Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), publicou a Consulta n.º 85 trazendo a questão climática na perspectiva dos riscos financeiros, sob a tríade social, ambiental e climática. Nesta visão, apontou indicadores a serem mensurados para os riscos de crédito, liquidez, operacional e legal, bem como requisitos por parte das instituições na criação da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática.

Nesta mesma direção, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM realizou consulta para alteração do Formulário de Referência pela Audiência Pública SDM 09/20, em que houve a discussão para a inclusão da responsabilidade das companhias no aprimoramento das informações sobre os aspectos ESG.

Ademais, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP inseriu no plano de regulação para o exercício de 2021 que os temas ESG estarão na previsão de uma política, em que o foco será ampliar a transparência referente aos riscos climáticos e o estabelecimento de critérios para a classificação de produtos sustentáveis.

Conclui-se que a jornada ESG é global e a cooperação é primordial para assegurar a perenidade do planeta que apresenta risco iminente. Essa acepção emerge a desafiadora teoria do “princípio responsabilidade” perscrutada pelo filósofo alemão Hans Jonas que afirma que a responsabilidade seria o alicerce ético do agir humano, visto que o agir impensado poderia colocar em risco a continuidade da vida na Terra.

*Juliana Oliveira Nascimento é gerente de Risk Advisory Solutions na KPMG, cofundadora do Compliance Women Committee, advogada e professora. Possui experiência relevante no âmbito corporativo de 17 anos. Master of Laws (LLM) pela Steinbeis University Berlin. Mestrado em Direito pela Unibrasil.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica.

Publicado em Estadão em 16 de Junho de 2021.

Link https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/esg-a-globalizacao-o-capitalismo-regenerativo-e-a-regulacao-dos-mercados/

A importância do compliance e os reflexos no mercado brasileiro

A instituição de um programa de compliance nunca foi tão discutida como nesses últimos anos no Brasil, vindo ao encontro das surpreendentes revelações advindas das investigações e dos casos de corrupção apresentados no panorama brasileiro. Diante desses fatos, pode-se evidenciar como as organizações envolvidas nos escândalos sofreram consequências diretas na reputação, além de perdas financeiras, de negócios e de valor no mercado. Sim, a reputação. Muito valiosa e, quando atingida, reflete diretamente a imagem e o nome da empresa. Logo, ocasionando uma repercussão que, dependendo do caso e do impacto, fazem com que algumas companhias cheguem a cogitar a alteração do seu nome, de tão marcada negativamente que ficou perante o mercado brasileiro e global.

Imediatamente, essas circunstâncias demonstram a realidade da corrupção que não se pode e não se deve mais ocultar. Os fatos divulgados na imprensa têm levado muitas empresas a compreender a seriedade de mais controle dos seus atos, o que engloba também os seus stakeholders. As instituições passaram a notar como imprescindível atuarem com proeminência da ética, comprometimento da alta direção e a consolidação da cultura corporativa em prol do compliance – sendo relevante, neste sentido, o fortalecimento da Governança Corporativa e a criação de programas de conformidade, fundados sob a perspectiva do planejamento estratégico da organização.

Além disso, cabe salientar que o compliance deve ser aplicado de forma efetiva e não somente um programa existente para outros verem – uma vez que compliance que não é real, não é compliance. Nessa conjuntura, o programa de integridade deve estar pautado em prevenção de riscos de fraude e corrupção, mas, também, na adequação das corporações às questões legais e regulatórias, específicas ao setor no qual atua. Muitos entendem que o investimento é elevado; todavia, não se pode deixar de lado que o comprometimento das empresas trazem muitos benefícios vindouros à própria companhia e ao país – que hoje se encontra, ainda, desacreditado pelos investidores.

A perda de confiabilidade do Brasil foi corroborada com o rebaixamento das notas de crédito pelas três agências de risco que possuem maior visibilidade no mundo. Primeiramente, pela agência Standard & Poor’s, em seguida pela agência Fitch Ratings, e depois pela Moody’s, um marco no retrocesso da economia brasileira. Diante disso, se evidencia que uma das causas desse decréscimo econômico deu-se pela instabilidade econômica e política brasileira decorrentes da corrupção confirmada na maior investigação em curso: a Operação Lava Jato.

O Brasil é um país com imensa possibilidade de crescimento, mas a corrupção é um anacronismo, visto que impacta diretamente no desenvolvimento econômico, afeta a justiça social, bem como o Estado de Direito; por conseguinte, convém ser combatida de forma contundente. Vislumbra-se que tanto o mercado, quanto a sociedade, não têm perdoado as companhias flagradas em atos ilícitos e fraudes, visto que apresentam uma posição de verdadeiro repúdio às empresas envolvidas com a corrupção.

Aliás, nessa perspectiva, não se pode esquecer que ações como esta remetem a uma via de mão dupla. Quando uma fraude é descoberta, com operação e denúncia deflagrada, automaticamente os mercados rebatem negativamente e conjecturam as suas consequências. Inevitavelmente, suscita reflexos na economia do país, além de perdas – de reputação, financeira e de credibilidade, que são inestimáveis para a sustentabilidade corporativa. A realidade atual não permite escolhas erradas, pois os resultados são calamitosos, principalmente em decorrência da crise econômica.

Desse modo, manter-se no mercado, nos dias de hoje, é um desafio que as companhias devem enfrentar, tendo como enfoque uma atuação íntegra em seus negócios. Sendo assim, não se admite a existência de “lacunas”, como a falta de lisura que venha a colocar em risco o progresso e futuro da empresa. Esse é o momento de concretizar profundas transformações desse cenário com ações de prevenção, inclusive com a instituição do compliance, sendo essencial que as organizações ponderem para a sua efetivação. Espera-se que façam isso para seu próprio aprimoramento e engajamento de mais transparência, de modo que a integridade e a ética sejam o eixo central da condução dos negócios, reverberando, consequentemente, no crescimento e no fortalecimento da boa reputação.

Sob esse prisma, essa mudança demanda o comprometimento de todos os envolvidos, mas no fim, valerá a pena. Afinal, quando se trata de negócios, a ética, a integridade, a transparência e a boa-fé são bases fundamentais para o desenvolvimento, bom êxito e a sustentabilidade da companhia no mercado, bem como, para a economia do país.

 

Publicado em Revista Fator Brasil em 23 de agosto de 2018. Link https://www.revistafatorbrasil.com.br/imprimir.php?not=365679